sábado, 29 de setembro de 2007

Desventuras no ERED

Status: Péssimo humor, sentada na frente do pc, se entupindo de comida como, aliás, eu sempre faço quando estou de mau humor.
Ouvindo: Draconian - A Slumber Did My Spirit Seal


ERED. Uma sigla, que para muita gente não deve significar nada.
Para mim, no entanto, significa muitas coisas.

Significou, em primeiro lugar, um fim de semana perdido.
Tive que ir à UERJ hoje, e amanhã também terei novamente que estar lá. Por causa do maldito ERED.

Existe um significado mais simples. ERED é a sigla para Encontro Regional dos Estudantes de Direito. É precisamente por isso que perdi meu final de semana precioso, ao qual devoto meu sagrado ócio: porque, indiretamente, precisava das 25 horas de atividades complementares do ERED. Afinal, já estou no terceiro período e tenho...huh...4 horas das 240 que tenho que ter até o fim da faculdade. Legal, né?

Além disso, significou 10 reais jogados no lixo. Sim, exatamente isso.

"Nossa, que horror de estudante você é, Bruna. Toda essa revolta por causa de umas edificantes e construtivas palestras?"

Eu gosto de palestras. Eu gosto de livros. Eu gosto de toda e qualquer coisa que me faça pensar e aumente meu nível de conhecimento a respeito de alguma coisa.

E é exatamente por isso que eu EXECRO esse ERED. É a coisa mais nojenta do mundo.
Eis o significado mais vasto para essa pequena e aparentemente inocente palavrinha.

O ambiente acadêmico pressupõe pesquisa. Pressupõe debate e contraposição de idéias. Pressupõe riqueza de produção, e presume-se que seja o lugar onde jovens aprendem a pensar de forma crítica. É exatamente por isso que o ERED é abominável.

Eu jamais havia visto uma articulação tão horrorosa de lavagem cerebral diante dos meus olhos tão descaradamente, e no ÚLTIMO ambiente em que isso deveria acontecer. É a antítese do ambiente universitário: ao invés de fazer os jovens pensarem, enterrar idéias em suas cabeças.

Vejamos. Vamos transcrever, para começar, alguns trechos do folder do ERED:

"...uma verdadeira gestão violenta das camadas populares socialmente excluídas.(...)vemos que o valor da vida e da dignidade humana de uma determinada parcela dos cidadãos (que podem ser recortados por sua etnia, faixa etária, segmento social e geografia urbana ou rural) está se tornando descartável(...), e cada vez mais o regime político nacional desenvolve e aprimora um novo "estilo" de fascismo social. "

Como vocês podem ver, a linha ideológica do ERED não é NADA tendenciosa. Imagina! A neutralidade transpira por essas belas letras.

O tema escolhido foi "O Tratamento Penal da Miséria". Como eles dizem, um tema bem "atual" (a violência para esses professores que vivem no mundo da fantasia e para esses alunos que vivem no mundo do baseado, naturalmente, só começou a existir com o filme Tropa de Elite). Naturalmente isso não deve ter nada a ver com o incômodo deles com o fato da população, cansada de ser saco de pancada e alvo de tiro, ter eleito um policial - torturador, sim; violento, sim; mas que FAZ ALGUMA COISA - como seu herói nacional. Nada!

Pra começar, eles precisam entender que a culpa é deles.
Recentemente, li no O Globo Online uma crônica de um demagogozinho qualquer que dizia que o assustador era pensar em "como nos tornamos pessoas assim".

Ah, como será?
Talvez seja olhando pela janela e vendo balas traçantes, passando com a cabeça baixa na Linha Vermelha, chorando nossos filhos, pais, irmãos, maridos e esposas mortos numa guerra estúpida e contra a qual eles fazem questão de IMPEDIR qualquer reação enérgica.

Vocês criaram o monstro.
Sorry.

Continuando, enfim.
O ERED, essa conferência de fachada com óbvios objetivos políticos de reação ao filme Tropa de Elite, seguiu pelas três palestras em que vi com uma militância de esquerda da qual eles deveriam ter VERGONHA, especialmente sendo professores. Não havia nenhuma pessoa que defendesse o outro lado - e é CLARO que essas pessoas existem - convenientemente, só havia marxistas-leninistas pra todo lado. Até - pasmem - representante do MST foi convidada pra palestrar - e o que DIABOS sem-terra sabe sobre violência urbana?!

Quanto ao conteúdo apresentado...
Bem, devo dizer que esses palestrantes devem ser discípulos do David Copperfield.
Eles sabem tudo sobre ilusionismo!

Ilusionismo é desviar a atenção do espectador para que ele não veja o que há de relevante, e acredite no inacreditável que foi mostrado a ele. E é exatamente o que eles fazem!

Ao falar da população carcerária, ao invés de se concentrar nos DELITOS cometidos por eles - que não foram parar na cadeia soltando pipa - fazem questão de explanar o quanto todos eles são pretos, pobres, jovens e tudo o mais. E o que diabos isso tem a ver? Sim, mais pobres vão para a cadeia - porque POBRES ROUBAM MAIS (mais quantitativamente, é provável que não qualitativamente). Mas não é o governo que é seleciona os pobres, tipo "MWAHAHAHA, vou catar uns pobres pra jogar aqui"; do jeito que eles falavam, parecia que havia em andamento um plano pra acabar com os pobres atirando todos eles nas cadeias, mais ou menos como Hitler fazia com os judeus, o que é uma hipótese tão RIDÍCULA que nem vou comentar. Tipo, "a sociedade capitalista (ou A ZELITE, o que aliás foi repetido tantas e tantas vezes que meu ouvido dói) pretente eliminar massivamente os excluídos".

Desviar a atenção é com eles mesmos. A sociedade - não apenas a elite econômica, mas também a classe média que de elite não tem nada e, mais do que qualquer outro, os POBRES HONESTOS QUE VIVEM OPRIMIDOS POR BANDIDOS NOS MORROS - querem se livrar dessa escória desgraçada. Eles acusam seus opositores ideológicos de nazismo, mas tem coisa mais nazista que atribuir um futuro sombrio a uma pessoa só porque ela nasceu em determinada classe social ou com uma cor "x"?

Tipo, "é preto e pobre, portanto será bandido; logo, será preso ou morto em breve"

Que que há!

E todas as mães, pobres donas de casa que lutam para seus filhos não serem aliciados pelo tráfico ainda crianças? E todos os pais de família, porteiros, garis ou mesmo POLICIAIS, que descem e sobem o morro todo dia com medo? Negros trabalhadores, são bandidos também?

Essas cadeias estão todas abarrotadas de pobres meninos honestos, condenados apenas por sua cor? Vão catar coquinho na descida!

Falam das execuções policiais. Que seja, há execuções sim; mas eles têm a pachorra de dizer que a maioria é gente inocente. DU-VI-DO.

Bandido tem que ir pra cadeia, bandido tem que ser reprimido e morto se necessário - seja branco, preto, pobre ou rico. Se brancos e ricos não vão pra cadeia é ESSE o problema que tem que ser solucionado. Não é deixando soltos os bandidos pretos e pobres, não.

Outra que eu tive que ouvir, porque é melhor que ser surda (essa proferida por um deputado estadual, horror, horror): "...e as prisões interessam a aqueles que lucram com elas, afinal, tem-se em mente um projeto de privatização das cadeias".

Aí é que está o grande ponto. Aí é que entra a pena de morte.
Não tem que ficar construindo um monte de cadeia. Tem que matar quem não vai se recuperar de qualquer jeito - especialmente membros de facções do crime organizado. O raciocínio que eles querem incutir na mente das pessoas é: "A-há! Não pode deixar preso! Isso é mais uma maquinação do demônio capitalista!"

E Gramsci sorri no seu túmulo.

Mas pior do que tudo é assistir à desqualificação de tudo o que se opõe a esses senhores.
Tropa de Elite torna-se Tropa das Elites; "filme fascista, que eu fiz questão de assistir pirata"; sim, essa eu ouvi de um dos professores, que enche a boca pra falar da sagrada Constituição, mas não parece ter o mesmo apreço pelas leis de direitos autorais. E o pior (nessa eu quase levantei e saí): ao falar do Cansei (frisando que eu não GOSTO do Cansei: é um movimento que tem os argumentos corretos, mas um fundo completamente oportunista, que não tem a legitimidade para falar em nome da classe média e que nem esperou os corpos dos mortos no acidente da TAM esfriarem para fazer politicagem), tomando como exemplo uma foto em que aparecem Ivete Sangalo, Ana Maria Braga, Regina Duarte e Hebe Camargo, esse mesmo professor comparou a posição da mão delas sobre o coração com uma saudação nazista...e, simultaneamente, desqualificando a opinião das mesmas, como se a Regina Duarte não tivesse credibilidade só porque nunca apoiou o Lula (sinto-me simpática à idéia contrária, que coisa) ou que a Ana Maria Braga não tem direito de opinar porque mostra receitinhas de manhã e anda com um "bofe" mais novo (os petistas de plantão podiam divulgar essas idéias para as donas de casa na época das eleições). Sou indiferente à Regina Duarte, não gosto da Ivete Sangalo nem da Ana Maria Braga e detesto a Hebe do fundo do meu coração, mas acho que o que elas fazem em suas vidas pessoais, profissionais ou mesmo seus posicionamentos políticos não as tornam retardadas mentais incapazes de emitir opinião, uma vez que TODOS OS CIDADÃOS têm esse direito - mesmo que alguns, talvez, não devessem ter, como esses irresponsáveis que estou sendo obrigada a ouvir.

E que venha mais um dia de ERED...

5 comentários:

Kika disse...

Fique feliz porque você está em um curso em que há muitas pessoas de direita. Se estivesse em História ou seria bem pior. XD
E não é que todos adoram dicotomizar e até endemonizar o lado oposto?! Até você faz isso!

E sei lá, nunca fui em palestras de Direito mas acho importante abrigar em uma palestra todo um contexto social. Há mais negros e pobres na cadeia por quê? Cometeram crime certamente mas por quê? Porque o indivíduo é mau é uma resposta bem simples mas que muitas vezes serve. Mas claro, nem todos os pretos e pobres são bandidos mas qual a razão, então, de serem maioria nas cadeias? Acho que Direito sendo uma ciência humana tem de pensar não só em leis, crimes e tals e sim em todo um contexto social.

Outro dia assisti uma palestra em que um cara defendia as editoras de livros no Brasil e isso me fez pensar sobre o assunto. Um sujeito totalmente capitalista mostrando um lado que eu não conhecia sobre produção de livros. Não concordei com boa parte do que disse mas algumas aceitei e fui capaz de absorver algo que me tirou um pouco dessa de "esquerda" e "direita" (apesar de que penso quase smepre dessa forma dividida).

Aeris disse...

Aff, perdi meu comment.

Mas enfim, basicamente o que eu dizia antes era que o problema é o fato de não haver oposição de idéias. Eu poderia ouvir tudo o que eles dizem, talvez pudesse aproveitar 10% (e realmente aproveitei, fiquei sabendo de algumas coisas sobre o sistema prisional carioca que não sabia, na palestra do deputado, a única que foi um pouco frutífera até agora). Mas o problema é que o ERED não tem a intenção de fomentar discussões, e sim de fazer lavagem cerebral. Eu ouvi meia dúzia de palestrantes, todos repetindo as mesmas coisas, os mesmos argumentos batidos, como se fossem autômatos.

(obs.: o curso de Direito na UERJ é cheio de comunas, por mais absurdo e ridículo que isso possa parecer, até Marx riria da cara deles)

Bernardo disse...

O tema do ciclo de palestras era "O tratamento penal da miséria", um contraponto ao filme "Tropa de elite". Ou seja, uma vez que o lado policial está sendo mostrado e remostrado, não me parece muito anti-didático concentrar esforços para apresentar os argumentos daqueles que estudam o tema(sim, estudam, comparam dados e cruzam idéias de diferentes autores para desenvolver suas teses). Sua crítica é válida, o ideal seria mudar o foco do tema e colocar intelectuais de todos os lados e policiais para apresentar o problema da criminalidade sobre as mais diversas perspectivas.
Mas será que não houve debate, confronto de idéias? Seus professores e convidados apresentaram suas teses, e do meu ponto de vista, numa forma mais acadêmica e profunda do que alguém que focasse tão somente na questão da escolha do indivíduo e tipos de crimes e punições. Isso por que o "nosso lado" é obrigado a pesquisar mais, interdisciplinarmente, pois interpretar criticamente uma realidade que para nós está estruturada nas relações de produção exige um trabalho que envolve a porra toda, e não só o instante em que o criminoso escolheu para transgredir a lei.
Mas será que não houve debate?(mais uma vez)
Normalmente, o melhor momento dessas palestras é justamente o final, a hora das perguntas. Acho pouco provável que não tenha havido algum confronto de idéias nessa hora, e se não teve, você tem culpa disso. Disso e de muito mais, naturalmente. Se pode aproveitar no máximo 10% do que foi dito, é culpa sua, e se todos nós vivemos em sociedade e você em especial acredita que a violência é algum tipo de santo remédio para uma criminalidade cada vez mais desesperada...então você é parte ideologicamente ativa desse ciclo que mata jovens em sua maioria, que se recusa a entender que os "monstros" fazem parte de um sistema político muito bem organizado que envolve toda a sociedade, e joga o peso da sua raiva(que acredita ser redentora)nas comunidades de trabalhadores onde o Estado só se faz presente por meio de uma polícia que os trata como INIMIGOS, e sendo assim, NUNCA admitiria tal tratamento.

Nego odeia traficante, mas o Bope não é coisa melhor, enfim. Ah, li o livro, bem interessante e rápido, recomendo pra você e para a kika. Não empresto por que nunca o teria de volta, já que quase não te vejo.^^"

Bernardo disse...

Política, e econômica, e social...enfim, o livro é até mais interessante que o filme para entender melhor a parte política, foi só ampliar o foco que a coisa toda vira uma crítica social.

E tipo, quanto aos alunos...a maior parte é de direita, não é? Então, mais uma razão para concentrar na esquerda. Muito mais acadêmico do que as faculdades de economia em geral, onde os alunos são de direita, os professores também, os autores indicados também, e a coisa fica quase como se a nossa "ciência"(por que aí a coisa deixa de ser ciência e vira religião) fosse uma descrição fiél e puramente técnica da realidade.

Aeris disse...

Não, não houve debate nenhum.
Um palestrante falava, aí vinha outro logo depois e começava, "...ah, eu nem sei o que dizer, Fulaninho disse tudo", chegava a ser ridículo. E vinha o próximo e fazia a mesma coisa. No fim das contas, o incêndio da UERJ me salvou de mais uma situação odiosa e constrangedora.

Quanto ao "seu lado", considero que o problema é justamente esse, ao invés de ser alguma vantagem: leva-se em consideração como se fossem cruciais um monte de fatos coadjuvantes, que podem INFLUIR em alguma coisa mas não DETERMINAR nada, e deixa-se em segundo plano o que é principal.

Pra começar, sequer teve essa "hora das perguntas". E mesmo que ela existisse, eu não diria NADA. Por quê?

Simples. Não nasci para ser boba da corte de ninguém.

Por que digo isso?
Certamente você soube da visita do Ahmadinejad a uma universidade americana. Claro que não gosto daquele lunático fundamentalista, mas achei um despropósito a forma como ele foi tratado. Parece que tiveram o prazer de convidá-lo apenas para metralhá-lo; ele não debateu em igualdade de condições, veja bem, é um presidente de um país dito hostil, no país que virtualmente é um inimigo, numa universidade repleta de pessoas dispostas a colocá-lo em um "patíbulo ideológico". Mesmo que ele dissesse as coisas mais inteligentes do mundo, seria tratado de forma hostil.

Comigo aconteceria a mesma coisa. Estaria eu, uma minoria (a única direitista declarada que eu conheço no curso de Direito sou eu mesma), repleta de pessoas hostis tanto no palco me fazendo perguntas quanto à minha volta no auditório. Mesmo que eu rebatesse qualquer coisa dita, mesmo que os professores ficassem sem algum argumento fora os lugares-comuns deles, apelariam para a ofensa, a baixaria, e incitariam a platéia contra mim - com certeza iriam me vaiar quando eu falasse, e aplaudir efusivamente qualquer porcaria que eles dissessem.

Era uma batalha perdida desde o início; e eu não luto batalhas que sei que vou perder. Eu serviria apenas para dar a eles uma "glória" inexistente, uma oportunidade de fingir que brilharam em um debate.

Sou parte ideológica desse ciclo? Talvez. Você e as utopias que defende é a FONTE que o alimenta; eu busco quebrá-lo, faço o que posso disseminando idéias e me juntando a quem pensa parecido, e um dia espero poder fazer algo físico para destruir esses vermes. Enquanto isso, fico apenas na ínfima pressão que a maravilhosa democracia brasileira me permite fazer. Mas sei que uma andorinha só não faz verão, e isso um dia dará frutos.

Só pra encerrar: o Estado trata os favelados como inimigos? Coitaaados.

Isso não justifica NADA. Nas favelas há um monte de gente honesta, vira bandido quem quer, é questão de vontade, de caráter, e não de necessidade.

Além disso, eu também poderia ter me tornado uma estelionatária, se fosse contar todas as vezes que levei golpe desse governo (desvios de dinheiro, impostos absurdos)...